Nascemos em Goiás.  

Só nascemos.   Com uns 4 anos a gente voltou.  E dessa vez, para morar.

Nossa casa tinha um jardim na frente.  O muro era baixo, e o portão enferrujado e difícil de abrir.

Nossa mãe achava isso bom.  Assim a gente não saia correndo.

A terra lá é vermelha, e o inverno parece muito, muito rigoroso.  Pelo menos pra crianças.  

A Li sempre gostou de andar calçada.  E eu só queria ficar descalça.  Meus pés sempre estavam mais sujos que os dela.  E minhas roupas também.

O quintal era grande.  Naquela época tudo era, e a mamãe gostava de lá porque tinha pés de mandioca.  Ela sempre gostou de ter pés de comida perto dela.

Podíamos brincar o dia todo, mas perto das 17h, a @gleida_lucia fazia a gente entrar.    Especialmente nos fins de semana.  

Ela sempre limpava tudo e arrumava de um jeito que quando a gente voltava para sala, parecia casa nova.  

Tinha samambaias e móveis trocados de lugar.  Cheirava coisa limpa.   E a casa que nem era nossa parecia lar.  

Mas se engana quem acha que a gente entrava assim, do nada.  Antes ela levava a gente pro chuveiro, num banheiro de concreto nas paredes e uma torneira bem alta.

Só podíamos entrar depois de um banho longo onde muitas vezes éramos escovadas.  Com palavras, e com aquela dura mesmo, que lava roupas.  Mas só nos pés.

Ela ainda acha que foi malvada com a gente.  Mas não foi não.  Nós éramos duas.  E bem levadas.  
Ela moldou nosso caráter. 

Dessa época, nossa primeira festa de aniversário.  

Meu amor por havaianas e broas de milho.  

Nosso sonho num vestido azul marinho de bolinhas brancas  e uma patrola no peito.

Minha emoção nas músicas que a Glê ouvia, sempre profundas, e muitas vezes tristes.  Milton e Gil eram os preferidos dela.

Não foi um tempo fácil, mas essas três mulheres nunca deixaram a gente perceber.

Fomos tão felizes. 

Aprendemos tantas coisas.

Essa terra vermelha ainda abriga gente que amamos,  e não quer nunca sair de mim.

Ah!  Patrola é trator.

(A Glê me respondeu depois que leu. Com essa trilha.)

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