Outro dia me dei conta que já são quase dois meses em casa. Quando alguém de nós pensou que seria assim? Que loucura!

Me lembrei que em janeiro fiz uma lista de coisas para não me perder. Sonhos maiores e metas curtas, mas que depois me ajudariam a perceber o quanto fui produtiva, ou não, durante o ano.

No início de 2020 eu “só” queria alargar minhas fronteiras.

Eu só queria que coisas que faço naturalmente e que me dão prazer, fossem maiores na minha vida. Que eu tivesse coragem de olhar para elas. E partir para ação.

Algumas eu já conhecia. Outras eu só queria enxergar, perceber diante de tudo que já fazia.

Pedi isso mesmo feliz. Eu precisava ser mais corajosa.

Em fevereiro, numa quarta-feira, perdemos nosso pai.

Dias de UTI, nossa família se revezando para cuidar dele, e a certeza de que o traríamos para casa, pro churrasco que ele amava, reunindo a lista de poucos amigos que fizemos no hospital.

Ele não voltou. E na sexta-feira eu fotografei. E no sábado eu fotografei. E chorar por ele se resumiu às homenagens que os padres faziam aos pais na igreja, ou na primeira dança dos noivos que tiraram pais e mães para dançar.

Desde que tudo isso começou, consegui escrever por aqui, uma primeira vez a respeito. Esta é a segunda.

Esse isolamento terrível, e incrível, de diversas maneiras, me permitiu também viver o luto.

Nele assumi a perda do meu pai.

Do homem que não fez questão de se mostrar perfeito para nós, e que por isso, e tantas outras coisas, foi tão presente nas nossas vidas.

Alguém que não foi refém de escolhas ruins e nem da infância difícil.

Alguém que deve ter reunido todo amor que pôde para criar quatro meninas, da melhor maneira que conseguiu.

Nesses dias, me permiti sentir falta dele. Me lembrar de coisas que só ele fazia.

Do jeito que ele dançava na frente de uma platéia amiga.

De encontrá-lo dormindo embaixo da cama, porque “era mais fresco”.

De ser dele, a iniciativa de nos agradar, mesmo que isso desagradasse demais nossa mãe.

Nesses dias, tive coragem de olhar para coisas dele, para dormir do seu lado da cama…

Para ver sua cadeira de fios vazia, e repetir várias vezes em voz alta: que saudade, pai!

Todos estamos lidando de forma muito particular com isso tudo. Tive, e tenho, medo do que estou vendo.

Uma tristeza enorme perceber como nossas vidas são frágeis, e que agora, qualquer decisão ruim pode levar mais pessoas queridas.

E nesse cenário que onde o mundo diz que é hora de se reinventar, concluí que preciso é ter esperança. Ter coragem.

Acordar todos os dias com uma pergunta na cabeça e tentar responder com atitudes alinhadas aos meus valores.

Confiar no que construí em mim nesses anos todos.

Confiar no que a minha empresa representa.

Não ceder, quando todo mundo cede.

Não ser desleal.

Não me desesperar.

Assim como essas palavras aqui, tentar fazer com que esses dias façam sentido.

Me façam perceber algo que eu não tinha visto.

Me façam mais lúcida.

Mais forte.

E quando a gente decide ter coragem, estou concluindo que isso acontece.

Sendo difícil no processo, sabe?! Porque não é fácil SER. Especialmente, vulnerável.

O que mais posso dizer?!

Estou aqui.

(trilha linda para embalar, de Thiago Ormond, nosso muso da quarentena. E da vida).

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