Uma reforma é um paralelo com a vida.

Era 20 dezembro.

Meu computador estava na bancada da cozinha.  Alta demais.  

Trabalhava 18 horas ali, olhando para aquela bagunça e sentindo poeira nos cabelos, no rosto, nos pés… 

6 meses de uma reforma que era para terminar em 1.

Liguei o computador e não queria ouvir música.  Não queria letras.   Não queria dançar no ritmo de nada.  Só queria reagir, mas sabia que se fizesse isso, teria que recomeçar, e talvez com pessoas novas e obra parada.  Mais uma vez.  

Então, alguma página aberta da máquina carregou de novo,  e continuei perdida, pensando como seria trabalhar no dia 24 e ficar longe de todo mundo – de novo – , e ainda, voltar para essa casa que eu não reconhecia.

E uma hora, com música feia de comercial do Youtube,  comecei a chorar.   Era muito.  Era tudo:  raiva, cansaço, impotência.  Me senti presa a todas as coisas que eu gostava de fazer, e que naquela hora pareciam só obrigação.  

Me detestei por ter entendido que fotografar na véspera de Natal seria solução.  E doeu quando pensei que o papai havia dito que este seria o último dele.

Então, alguma chave mudou.    Uma certeza veio como escrita na minha cabeça: eu não iria mais aceitar ser menos do que poderia.  Eu não iria mais ser refém dos medos que eu tinha.   O mundo acontecia.  Minha profissão.  A empresa.   Tudo aparentemente ia bem. 

E uma reforma em casa me fez perceber que eu não.

Esse negócio de reforma é um paralelo com a vida.   Onde a gente cobre e descobre.  Onde fortalece a fundação.  Onde fecha ou abre novas portas.  Onde olha e reconhece.  Onde é ocasião.

E quando termina, ainda é hora de olhar para  os entulhos que ficam.  E entendi que é do lixo que mais temos medo.  Por isso isso, a gente adia.  Porque uma hora  ele precisa ser retirado.  Às vezes de joelhos, com espátula de ferro, água e  muito esforço.

Menos de dois meses depois nosso pai se foi.  Teve tempo de vir em casa, e de se perder nas mudanças.  Estava confuso, querendo lavar nas mãos na cristaleira e sair pelo painel da sala.  Mas se sentou um tempo na varanda, e eu trouxe café para ele.  Disse que estava tudo “bom, bonito”, como o Graciliano.  Respirou fundo, não entendendo muito o que ia acontecer.  Depois, ficou calado.  Como sempre ficava para se organizar.  E entendi que o silêncio dessa vez de sossego.  Como quem têm uma missão cumprida.   

E desde então, quando caminho por aqui, penso nele.  

E tudo de diferente que merece minha coragem é também por ele.  

Eu prometi.

pt_BRPortuguês do Brasil