Foi a Li quem contou sobre a origem das marcas.

Disse que elas começaram nas fazendas  para determinar propriedade.

Com duas letras juntas, nosso pai sempre pedia pra forjar uma para cada filha, e nessa época, não sabíamos que elas iam para brasa e queimavam a pele das nossas.  E então, o curral passou a ser o lugar que a gente menos gostava.

Papai era calado e nos ensinou muito sendo assim. Sabia a hora de tocar num assunto importante.  E às vezes, era levando a gente para pescar num dia simples que encontrava a maneira de dizer que “as coisas eram assim desde que ele existia”. E sobre as marcas, contava  que um dia a gente ficaria feliz quando tivéssemos vários “C”s e “L”s andando pelo pasto.


Não lembro de ouví-los conversando sobre nossa educação.  Mas eles tinham sintonia.  A mamãe era quem dava as notícias.  “Nasceu um”.  “O da Liliane é macho”.  E ainda dizia que quando a gente tivesse o suficiente, poderíamos comprar um carro para ir pro cursinho.


Nosso pai era péssimo com negócios.  Sempre dizia sim para todo mundo, e via valor até em pneu furado.  Mas era o único que entendia de carros nessa casa de 5 mulheres.  Então, todas as nossas marcas um dia foram suficientes, e  ele saiu com o dinheiro.
Voltou feliz dizendo que tinha encontrado o carro perfeito: novinho, vermelho , e que tinha tido um único dono.   

Fechou negócio e não teve paciência para nos ensinar a dirigir.  Gostava só de lavar e polir “o vermelhinho”, como ele chamava.

Então, aprendemos com nosso tio Zé.  Ele ri gostoso até hoje.  Alto e de um jeito amoroso que só ele tem.  Ria toda vez que a gente raspava a marcha ou saltava uma lombada.  

Ele era muito bom em  segurar o freio de mão, e ainda assim, dizer no final que “tínhamos ido muito bem”.


Quando nos sentimos prontas, nosso Chevette 1976 saiu da garagem.  Na primeira vez, só quebrou a marcha.  E voltamos com ele de ré, do bairro mesmo.  

Na segunda, travou o voltante,  e o salário de estágio foi inteiro no pagamento do guincho.

Na quarta vez ele travou o voltante e explodiu com uma fumaça branca.  Na Av. Fernando Corrêa.  

Era o fim.

A gente desistiu de depositar esperança, e de trazê-lo de volta . E nossa mãe decidiu que ele precisava ser vendido.  

De novo, era o papai quem iria.

E nosso Chevrolet virou um computador dentro da sala.

Nessa época ele já achava que “esse carro não era nada bom”.  E deve ter deixado o comprador saber disso.

Ah, pai.  São só 5 meses, e já parece uma vida. 

Só a certeza de que fomos forjadas com sua marca.  

E ela é muito valiosa.

Sempre vai ser.

Logo a gente vai levar sua foto e o que escrevemos nela para você.

Estamos aqui.

Vamos sorrir mais.

Prometo.

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