Hoje ouvi que estamos vivendo entre um tempo e outro. Que o “novo normal” talvez não exista, não porque nunca houve “normal”, mas porque os humanos costumam esquecer rápido e podem voltar depressa demais à vida que tinham antes. Não de forma consciente, nem por desrespeito ao que houve, mas por hábito, descuido ou uma necessidade urgente de liberdade.

Não sei o que pensar sobre isso. Esquecer tem sido uma tarefa fácil em tempos de tanta informação e ansiedade. Para mim, por exemplo, passou a ser muito frequente levantar às 3h ou 4h da manhã e, com o dia começando tão cedo, me assusto com o tanto de coisas que fiz e com a quantidade de emoções que vivi até a hora do almoço. Antes de dormir, tento me lembrar do que foi mais importante e, quase sempre, não sei em que dia estou ou quanto tempo faz que fiz cada coisa. É como se estivesse perdida no espaço-tempo, com uma vontade imensa de avançar, mas “presa” por coisas que não posso conter.

Muitos disseram que esse momento é uma oportunidade para desacelerar. Sinto que, comigo, aconteceu exatamente o contrário. Minha forma de atravessar essa tempestade tem sido correr, ainda que não tenha certeza do lugar aonde vou chegar.

Desde o primeiro dia de isolamento, tenho exigido mais de mim mesma. Quero aprender mais, abrir os olhos e os ouvidos. Quero julgar menos e fazer mais do que havia feito. Acho que espero compensar o “tempo perdido”. Por várias razões. A primeira delas é que sinto que cheguei tarde em muitas coisas importantes da minha vida. Já tinha essa sensação desde os 8 anos de idade e ela aumentou quando perdi o meu pai.

Uma das coisas mais doloridas de pensar nele agora é saber que ele disse, cinco anos atrás: “você demorou muito, filha” porque se sentia velho e doente demais no dia em que me levou ao altar. Ele estava certo. Para muitas coisas, comecei cedo, como trabalhar, mas o fato dessa “ilha” ser tão importante na minha história, fez com que várias outras tivessem que esperar.

Não há o que fazer agora. Não posso lamentar as escolhas que fiz porque elas me tornaram uma pessoa mais feliz, mais confiante e mais realizada. Mas, sim, gostaria de ter chegado antes em várias coisas e, por isso, nesse momento, não estou conseguindo ir tão devagar.

Não tive, nem por um dia, a ideia romântica de que haveria uma pausa, tempo para me acolher ou me cuidar. Acho que não me permiti nada disso. Meu jeito de enfrentar as crises da vida, grandes ou pequenas, sempre foi esse: entrar na arena, mesmo com medo. Muitas vezes, dizendo pra mim mesma: “Vai, você consegue!”. E essa, com certeza, é a maior arena em que já estive e a mais desafiadora também. Nela, cabem a perda do meu pai e tantas coisas que faltaram dizer; a luta diária para empreender em um País que, por muito tempo foi promessa, mas insiste em se tornar desilusão; o desafio de reaprender, resignificar, cuidar dos meus (filhos, marido, irmãs, mãe, clientes, equipe, amigos) e encontrar alternativas para seguir avançando, um dia de cada vez.

Nesses 60 dias, tomei várias decisões, aprendi várias coisas e talvez, tenha me tornado umas 60 pessoas diferentes. Mas existem muitas coisas que não quero mudar, especialmente em mim. E, uma delas é a certeza de que estou bem e de que o menor desafio agora é olhar para dentro. Isso eu sempre fiz e é o que me tem feito mais forte.

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