Moramos numa fazenda onde nosso pai trabalhava.

Ficava na beira da estrada e não tinha muros em volta da casa.  Tinha um fogão à lenha e dois quartos novos quando a gente chegou.

Não era um lugar bonito, lembrando hoje, mas era um que me dava horizontes.  
Eu olhava para um lado e tinha estrada.  Pro outro tinha um rio, uma ponte…


Do lado da casa tinha um barracão de madeira, construído um nível acima.  Precisava subir um degrau de escada, e a parte de baixo, deixava os pequenos animais abrigados.
Me lembro do cheiro – uma mistura de milho, poeira e couro.  Era lá que guardavam as comidas para as vacas, e selas e tudo que os cavalos precisavam.

As madeiras do piso faziam barulho quando a gente pisava.  Algumas cediam e ficavam soltas, sem os pregos.
E uma delas a gente conseguia remover.  Era onde a conseguíamos ouvir os gatinhos bebês miando.  Eles nasciam ali.  E os bebês pintinhos também.


Não sei dizer o motivo do fascínio da gente por eles.  Mas eu amava quando a mamãe ficava brava dizendo que “outra galinha iria chocar”.  
Quando isso acontece, elas param de botar os ovos e ficam ali, estáticas, por muito tempo, chocando os ovos.   Aquecendo com tamanha devoção que eu não entendia como elas comiam e faziam outras coisas.


Esperava ansiosamente os pintinhos nascerem.  E vê-los nascer, uma das coisas mais incríveis que lembro da nossa infância. Como eles cabiam ali?  Como tão pequenos eles tinham forças para bicar , do lado de dentro e quebrar essa casca dura e seca?  E finalmente sair.


Eles eram nossos bichinhos de estimação.  Entre entre tantos milagres da simplicidade, o que eu mais amava testemunhar ali.

Outro dia nossa mãe estava em casa, e sem querer, topou com uma foto do nosso pai dentro da carteira.  Não lembrava dela e por isso, pegou, olhou demorado e disse: “meu amor, queria tanto você de volta”. Não gosto de chorar perto dela.   Ela se preocupa muito.
Então, corri e peguei o celular., procurando alguma piada na internet para ela se distrair. Não achei nada que desse alegria ali. Me lembrei do Youtube e escrevi: “pintinhos nascendo”. Abriu um vídeo.  E ela começou a olhar, e sorriu.   Começou a contar das coisas.
Nesse dia o Animal Planet virou assinatura aqui em casa. E é o canal preferido dela.


Não me lembrei disso à toa.  Também ando muito preocupada com 2021.  

2020 está aqui mas essas mudanças todas não acabam por agora. 

Vamos ter muita coisa pra entregar em 2021, eu sei.  

E  2020 é nossa chance. Tudo que temo.s. É triste e doído demais.

Chega a ser física essa dor de incertezas, de perdas… Mas é nele nossa preparação para hoje.

E para 2021, nem se fala.

Estamos saindo da casca.

E como os pintinhos, vamos dar conta.

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